quarta-feira, 27 de julho de 2016

Batman - A Piada Mortal

Mexer com uma história clássica de um personagem tão querido não é tarefa fácil. Mexer com a obra de Alan Moore, então, deve ser uma tarefa hercúlea. A Piada Mortal, graphic novel lançada em 1988, rapidamente se tornou referência ao cânone do Morcego e obra essencial para todos os leitores de quadrinhos. O mais interessante da adaptação animada da HQ é como a DC conseguiu expandir o universo escrito por Moore (que, na época, era diferente da cronologia do personagem) e honrar a obra original sem deixar de lado a autenticidade.

Poder feminino

A maior diferença que notamos logo de cara na animação é que a Batgirl tem um papel muito mais importante. Se na obra de Moore ela estava inserida na história somente para alavancar a trama de outros personagens, na adaptação ela consegue um espaço grande, forte e bem aproveitado que é usado pelo roteirista Brian Azzarello para dar mais ênfase dramática ao sadismo do Coringa em um dos pontos-chave do filme. Também é possível acompanhar uma metamorfose da heroína, que é apresentada como uma jovem adulta aventureira no início da história e ciente do seu papel na vida do Batman e no destino de Gotham.

Apenas um dia ruim

Outro ponto alto de A Piada Mortal é a magnificência do Coringa. Ele tem peso, ele dá medo. Brilhantemente interpretado por Mark Hamill (sim, o Luke Skywalker de Star Wars), o Palhaço do Crime rouba a cena em todos os momentos em que aparece. Na HQ, o vilão possui dois discursos emblemáticos que ajudam a construir a psiquê tão marcante do personagem, reaproveitada até hoje em obras recentes como O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan e que certamente estará presente no Coringa de Jared Leto em Esquadrão Suicida. Azzarello fez a escolha correta e não alterou uma linha sequer do roteiro de Moore, dando aos fãs um baita presente para se deleitarem na maluquice sem fim do antagonista.

A loucura é um fator presente na obra original e Azzarello consegue transpôr toda a discussão filosófica acerca desta para a adaptação. Os olhares mais atentos conseguirão identificar na obra traços de A História da Loucura, livro essencial do sociólogo Michel Foucault que explora a manifestação social da loucura através da História. O estudo do francês inspirou Alan Moore em partes na escrita de A Piada Mortal e o roteiro da adaptação deixa essas referências bem claras, principalmente nas cenas onde o longa explora o passado do Coringa e sua entrada no crime e na psicopatia.

Direção de Arte

A atmosfera da animação remonta a aquela mostrada em Batman – A Série Animada, icônico programa de TV da década de 1990 que misturava o estilo marcante de Bruce Timm com o melhor que Tim Burton tinha apresentado visualmente em seus dois filmes do herói. Então, em A Piada Mortal, temos uma Gotham City profundamente neogótica, sombria, pesada, mas sem nunca perder a característica de ser ficcional e sem ambições de se tentar provar ‘realista’ em algum parâmetro do cinema contemporâneo.

A animação também serve para demonstrar o potencial narrativo que a DC teria nos cinemas se não tentasse copiar o modelo estabelecido pela Marvel. Aqui temos um universo contido, coeso e que consegue contar uma boa história sem tentar ser parte de algo maior e grandioso. Aliás, esse sempre foi um dos pontos fortes da DC, que nos deu histórias clássicas como esta, O Cavaleiro das Trevas, Ano Um e O Reino do Amanhã. Talvez os arcos narrativos fechados fossem um caminho interessante para o futuro cinematográfico da editora, mas, provavelmente, é um caminho que nunca veremos ser concretizado.



Abstração

Outro ponto sensível na trama é seu polêmico final. Alguns dizem que a HQ termina com Batman matando o Coringa, outros dizem que termina com Coringa matando Batman, outros dizem que não acaba e que o ciclo está fadado a se repetir eternamente e outros dizem até que eles acabam grandes amigos. Azzarello conseguiu transmitir esse final ambíguo com maestria, deixando o espectador livre para imaginar o que quiser daquela situação. Em tempos nos quais o público precisa de mil-e-uma explicações diferentes para conseguir manter sua suspensão de descrença, a animação da DC oferece a abstração narrativa de forma magistral e impactante.

Acrescentando novas tramas, aprofundando personagens e honrando seu material base, Batman –  A Piada Mortal será um desbunde para todos os fãs do Morcego que estão ávidos por mais material do herói, lembrando a todos a força do personagem e de seu universo e trazendo uma reflexão honesta e profunda sobre o que de fato nos separa da loucura.

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